22.10.13

apontamento à margem da entrevista de Rui Moreira.


A entrevista do novo Presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, que sai hoje no Público, merece uma reflexão mais geral sobre o papel dos independentes na política portuguesa - e sobre a atitude dos socialistas face a esse fenómeno.

Já escrevi antes que os independentes não têm de ser uma maravilha da natureza para serem úteis à higiene do sistema político. Por muito pouco independentes que sejam, por mais que nasçam das tricas internas deste ou daquele partido, servem de ferramenta para os eleitores mostrarem o seu desagrado face a alguns comportamentos dos partidos. É uma visão muito funcionalista, dirão - e eu reconheço, mas retribuo: em democracia, a política não existe para os políticos serem felizes, existe para que a comunidade política tenha forma de se governar. E os independentes, mesmo os falsos, aumentam a capacidade dos cidadãos para darem carolos na cabeça dos políticos que se julgam donos do eleitorado. Gosto disso, ponto parágrafo.

(Aliás, se me dessem a oportunidade de escolher uma única reforma do sistema eleitoral, eu não teria dúvidas: introduzir o voto preferencial, de modo que os eleitores possam escolher, das listas apresentadas pelos partidos, quais os candidatos que querem ver eleitos, independentemente da ordem em que aparecem nas listas: em lugar de terem de escolher todo o pacote que os partidos embrulham numa lista ordenada, o eleitor poderia trocar as voltas ao partido e personalizar a sua escolha.)

Contudo, seria bom que os independentes não tivessem apenas esse papel "punitivo". Seria desejável que os independentes fossem capazes de explorar os recantos do sistema político a que os partidos têm dificuldade em chegar. Para isso, os independentes não podem comportar-se como uma espécie de partido clandestino, ou um "pseudopartido", para usar a expressão de Rui Moreira quando critica os independentes que querem funcionar como bloco na Associação de Municípios. Essa superestrutura de independentes seria, parece-me, uma fraude à legalidade democrática, uma tentativa de funcionarem como partido sem se assumirem como tal, escondidos no carácter inorgânico do "movimento". O que os independentes podem fazer de genuíno é desbloquear situações políticas onde o xadrez partidário não consegue gerar alternativas ou convergências à altura dos desafios. Julgo que foi o que aconteceu no Porto, onde Rui Moreira, baralhando o quadro partidário, criou condições para uma colaboração entre forças (políticas e sociais) que, de outro modo, estariam barradas pela lógica partidária. Isto não é criticar a lógica partidária em si mesma, que tem razão de ser: é reconhecer que a lógica partidária, como tudo, tem os seus limites. E os independentes podem, em certos momentos, ajudar a furar esses limites - aliás, sem necessidade de qualquer retórica anti-partidos, como também mostra a entrevista de Rui Moreira.

Dito isto, como devem posicionar-se os socialistas perante o fenómeno dos independentes? Em primeiro lugar, as soluções políticas para uma determinada situação devem ser ditadas pelo bem comum e não pelo egoísmo partidário. Vir dizer, como disseram alguns dirigentes socialista do Porto, que o PS não devia embarcar no acordo consequente com Rui Moreira para ser alternativa daqui a 4 anos, quer dizer que a preocupação eleitoral se sobrepõe à preocupação com a governação da cidade. Se Rui Moreira governar bem, com o apoio do PS, isso será bom para Rui Moreira e para o Porto, sendo provavelmente mau para o PS em termos eleitorais. Não desdenho dessa análise, mas concluo, ao contrário de outros, que o PS deve servir a cidade e não furtar-se às responsabilidades por cálculo eleitoral. O primeiro dever de um partido não é tentar estar sempre no poder, nem tentar ganhar sempre eleições, mas estar preparado para ser alternativa quando for preciso fazer melhor. Continua a chocar-me a forma despudorada como alguns dirigentes partidários mostram dificuldades em conciliar o interesse partidário com o interesse geral - e, se não escondem essa dificuldade em público, parece ser por nem se aperceberem do problema.

Concebo o papel dos independentes como essencial à flexibilidade da governação democrática: devem, os indepententes, conseguir criar dinâmicas que ultrapassem a rigidez do partidarismo excessivo, estabelecer pontes de que os partidos não são capazes de se ocupar, fazer sínteses que ultrapassam as divisões tradicionais, inovar na temática política, refrescar o pessoal político. Para isso, os independentes não podem ser "pseudopartidos" subterrâneos e têm de perceber que os partidos continuam a ser a estrutura fundamental da democracia possível. Para isso, os partidos têm de perceber que a democracia não existe para os servir, mas que o contrário é que importa: os partidos têm de merecer o respeito dos cidadãos mostrando que sabem ser apenas instrumentos da procura constante pelo bom governo da coisa pública.