4.6.07

O "teste de Turing" e o psicoterapeuta automático (Eliza-1/5)


Na posta anterior sugerimos que se consultassem com o "psicoterapeuta" ELIZA, um velhinho programa de computador. Vamos agora (hoje e nos dias seguintes) enquadrar o significado dessa experiência na história das ciências do artificial.


Num artigo de 1950 o matemático Alan Turing lança uma forma muito particular de reflexão acerca da relação entre mente e máquina.


Querendo considerar a questão "as máquinas pensam?", mas considerando-a, nessa forma, uma questão "demasiado desprovida de sentido para merecer discussão", Turing propõe-se expressá-la noutra forma. Para isso introduz o "jogo da imitação". Sejam três pessoas: A, um homem; B, uma mulher; C, um interrogador humano que permanece numa sala separada de A e B. O objectivo do jogo é: para o interrogador, determinar, com base nas perguntas que dirige a A e a B e nas respostas obtidas, qual é o homem e qual é a mulher; para a mulher, ajudar o interrogador (dizendo a verdade); para o homem, enganar o interrogador, fazendo-o crer ser ele a mulher. Para que o tom de voz de A ou de B não ajude o interrogador, as respostas ser-lhe-ão transmitidas por telétipo.


Agora, a questão "as máquinas pensam?" pode ser substituída pela questão seguinte, relativa a um particular computador digital C: "É verdade que, modificando esse computador para ter uma capacidade de memória adequada, aumentando satisfatoriamente a sua velocidade de trabalho e fornecendo-lhe um programa apropriado, podemos fazer com que C desempenhe satisfatoriamente o papel de A no jogo da imitação, sendo o papel de B desempenhado por um homem?". De acordo com a distribuição de papéis no jogo, o desempenho satisfatório do computador diz respeito à capacidade para evitar que o interrogador o identifique como tal.


Nesta segunda fase do jogo, tanto o homem como o computador imitam uma mulher. No entanto, tanto Turing no resto do artigo, como a maioria dos comentadores, ignoram o aspecto "género" da questão. Em geral, o jogo é entendido como dizendo respeito à capacidade de uma máquina para, quanto à sua inteligência expressa no comportamento "escrever em linguagem natural", se fazer passar por um humano quando apreciado precisamente por um humano.


A "aposta" de Turing é então explicitada: por volta do ano 2000 haverá computadores que jogarão tão bem o jogo da imitação que um interrogador humano médio não terá mais do que 70% de hipóteses de fazer uma identificação correcta após 5 minutos de interrogatório, de tal modo que alguém que fale em máquinas pensantes não correrá o risco de ser contraditado. A variadas formas do desafio criado por esta aposta passou a chamar-se "o teste de Turing".


Uma área de desenvolvimento do teste de Turing é a implementação de robots de software que "conversam" com humanos. Várias competições cujo objectivo é passar versões do teste de Turing têm sido organizadas. Talvez a mais famosa seja a que começou a ser organizada em 1991 por Hugh Loebner. Na edição de 1991, além de vários programas terem sido julgados humanos, também aconteceu um humano (que tinha um conhecimento fora do comum da obra de Shakespeare) ser tomado por um programa de computador. Muitos programas deste género seguem o modelo do ELIZA, precisamente o programa que estamos a analisar nesta série de notas.


Amanhã diremos mais sobre o ELIZA.




Ilustração de Ann Witbrock in Copeland, B.J., Artificial Intelligence, Blackwell,Oxford, 1993



[Próxima nota desta série: Uma consulta de ELIZA.]